De novo o Dojo!

Hanshi Georges Stobbaerts, 8º dan Dai Nippon Butoku Kai e fundador da escola TenChi International.

Este artigo é dirigido aos Yudansha e Kodansha da Escola TenChi Internacional, qualquer que seja a sua disciplina 1.

São os alunos, e entre estes os “cintos negros”, que fazem “o lugar onde se pratica a Via”. Eles são os verdadeiros embaixadores da sua arte, mas também do lugar onde praticam a sua disciplina. O professor, o sensei ou o mestre, não são mais do que “o Guardião do Lugar”…

A minha concepção de um Dojo foi sempre a mesma desde a infância embora já não tenha hoje o espírito de um principiante, infelizmente…! Sem falar de filosofia nem de espiritualidade. O Dojo deve ser à partida um lugar onde o verdadeiro espírito seja, antes de tudo mais, uma procura do conhecimento de si mesmo. Considerando a grande pergunta “O que sou eu?”, trata-se sobretudo de aceitar o que somos no “aqui e agora”, para poder ir mais além e aí encontrar uma resposta no caminho da nossa prática. É também o reconhecimento do outro, dos outros… e das necessidades de cada um. É preciso saber também que existe no Homem uma vocação inata, por vezes escondida: “ajudar o próximo”.

A nossa prática deve conduzir-nos, seja a guardar seja a fazer nascer, o ideal que garanta o desabrochar “de si” e dos que nos rodeiam. Um Dojo deve ensinar a dissolver os conflitos da mesma forma que as nossa técnicas transformam os ataques em não-funcionais. É necessário, no Dojo, equilibrar as relações e dar às pessoas a dignidade e o bem-estar que permitam um bom funcionamento do lugar.

Os mais antigos devem ser mediadores a fim de guiar os mais novos e os ajudar a tomar consciência de um trabalho de entreajuda no Dojo e mesmo à sua volta.

Frequentemente os principiantes são motivados por um ideal e, infelizmente, são eles também os mais expostos a um sentimento de impotência face aos mais avançados. A decepção arrasta consigo uma perca de motivação para continuar que leva a que abandonem o Dojo desiludidos! Perdemos nestes casos alguns bons futuros praticantes, tão necessários nesse mesmo Dojo. Eles são todavia as sementes do futuro…

Estes principiantes (kyu) têm assim necessidade de uma metodologia que não se limite somente ao gokyo. Alguns professores não passam destes programas técnicos o que é pena, pois isso poderá transformar-se num “parque de estacionamento”. É por isso que digo frequentemente, no Dojo TenChi, para cada um aprofundar a sua reflexão e propor soluções precisas e concertadas para a melhoria do bem-estar de todos.

Para compreender o que se passa no tatami ou no Dojo, uma breve análise do nosso ambiente se impõe. Diz-se frequentemente “O tapete é o mundo” e é bem verdade!

A Sociedade

Encontramos, um pouco por todo o lado, a discórdia. Basta ligar a rádio ou a televisão. A má utilização do poder e da liberdade reinam frequentemente em inúmeros domínios.

Vejamos as consequências:

  • Fatiga no trabalho
  • Perca de ideais
  • Gestão desleal
  • Assédio e fadiga no trabalho
  • Rejeição e medo do outro
  • Violência afectiva
  • Depressão
  • Conflitos, injustiça
  • Problemas emocionais, medo, cólera
  • Desejo de dominar (deriva das emoções)
  • Recusa de se pôr em questão para o bem de todos
  • Medo de defender posições justas e firmes para se libertar
  • Incapacidade de se exprimir sinceramente, de ser solidário sem se sacrificar.

É evidente que estes problemas sociais podem reflectir-se no Dojo ou na prática.

A alguns princípios filosóficos a ter em consideração:

  • Amar-se e aceitar-se tal como se é (sem complacência)
  • Descobrir o seu ideal, persistir nas suas escolhas
  • Dar provas de responsabilidade, de amor e generosidade (sem se sacrificar)
  • Descobrir a importância da sua consciência (e dos seus sentimentos)
  • Descobrir a importância e a relatividade do seu subconsciente (e das suas emoções)
  • Tomar consciência da sua força e do seu livre arbítrio
  • Dar provas de dignidade
  • Não se deixar corromper (noção de coragem e cobardia)
  • Aprender a aceitar o que está perante si (abrir mão)
  • Descobrir as virtudes da humildade e o sofrimento do orgulho
  • Não confundir exaltação com felicidade, serenidade com indiferença
  • Encontrar o equilíbrio entre matéria e espírito

Estes princípios podem servir de base para uma reflexão, não são limitativos, há muitos outros a descobrir…

O papel do Yudansha no Dojo

O seu papel compromete-o com a operação de mudanças profundas que deveriam levá-lo a um maior equilíbrio, físico e mental, conjugado com o respeito pelos seus ideais, tendo em conta as realidades da nossa sociedade.

Algumas reflexões para os Yudansha

Desde logo, uma motivação para construir uma sociedade sã e pacífica.

Tomar consciência de que a sabedoria e a paz no mundo não podem construir-se a não ser que os seres se libertem dos seus medos e das suas cóleras, estados de espírito que frequentemente regem os nossos comportamentos.

  • Uma vontade de adquirir a sabedoria que permita ver para-além das aparências
  • Controlar as suas emoções
  • Desenvolver um verdadeiro sentido da palavra (aprender a evitar os obstáculos da comunicação)
  • Tomar consciência da falta de escuta
  • Desenvolver o sentido da reflexão (a inteligência e o saber face ao intelecto)
  • Demonstrar iniciativa (dirigir, motivar, sem se impor)
  • Demonstrar diplomacia (falar com firmeza sem exigir)
  • Demonstrar criatividade
  • Demonstrar assiduidade e rigor (sem rigidez)
  • Demonstrar adaptação (sem se obrigar)
  • Demonstrar confiança (sem ingenuidade)
  • Dar importância ao humor (sem escárnio)
  • Dar importância à beleza, à estética e à ordem
  • Ter a atitude correcta no seu ideal
  • Ter determinação nos valores do seu ideal e da sua estética
  • Relativizar as diferentes situações que podem surgir num Dojo
  • Não aderir ao conceito de egoísmo, de cobardia (recusa de tomar posições que possam voltar-se contra o Dojo)
  • Recordar o significado de “kyozon kyoei”, amizade mútua para uma prosperidade mútua
  • Recordar que não há adversário, mas apenas parceiros que caminham juntos em direcção à excelência no espírito de “wa no seishin” que se pode traduzir por “um espírito em paz e em harmonia”
  • Aprender a falar sem tabus nem julgamentos, para encorajar a confiança mútua
  • Compreender que, apesar do nosso amor e desejo de ajuda, o aluno permanece livre e juiz das suas escolhas
  • Recordar “ichigo-ichie” (cada encontro é um tesouro já que não se repete)
  • Na descoberta de si, não se esquecer de tomar consciência das próprias dificuldades emocionais que, desde a infância, engendraram hábitos comportamentais, sofrimentos e cóleras
  • Ter atenção às suas reacções emocionais face aos problemas dos seus interlocutores, a fim de que elas não influam nos nossos julgamentos
  • Ter um interesse fraternal pelo próximo e um conhecimento dos diferentes tipos de personalidade e seus problemas emocionais
  • Ter consciência de que ajudar os outros é um acto extremamente difícil mas que deverá ser feito com o maior dos desapegos (não esperar nada em troca). É também uma capacidade de os guiar num percurso e ajudar nas suas dificuldades, propondo- lhes soluções e práticas.

Sobretudo, está atento ao teu coração mais do que todas as coisas, pois ele é o centro profundo de cada um, ele é vida interior onde tudo está em gestação ou aguarda antes de se realizar em palavras e actos.

Estas poucas reflexões, para os yudansha, são um convite e o voto de que cada um os interiorize, com vista a uma relação mais ponderada consigo próprio, o seu ambiente e o seu próximo.

Georges Stobbaerts Março de 2010

1 –Yudansha – Titulares de um grau Dan. Kodansha – Pessoas que tenham pelo menos o 4o Dan ou que desde há muito tempo tenham um grau Dan.