O papel do Sensei (professor) é insubstituível. É ele quem deve despertar, no aluno, o gosto da procura e mantê-lo. O caminho que o aluno percorre está repleto de obstáculos. Frequentemente, tem a tentação de parar a meio do caminho, pois julga já ter compreendido tudo e chegou ao seu termo ou, então desencoraja-se quando das primeiras dificuldades.
“A flor, durante o seu crescimento, esforça-se por se alimentar, luta para sair da terra e desabrochar.”
Ensinar é criar uma dinâmica que conduza o praticante ao movimento, no prazer da descoberta e, em seguida, no prazer da procura. É gerar um clima na partilha e na transmissão daquilo que se ama, orientando o aluno para a autonomia que é dada pelo estudo, compreensão e corporalização das técnicas, enquanto ator e não consumidor.
“Ensinar não é encher uma taça, é atear um fogo.”
Grandes mestres sempre respeitam uma das mais importantes regras das artes do Buda: o Silêncio. Quando se executa um movimento, ele desenha no espaço uma simbólica que não se pode desvelar…, esta não pode ser inscrita num método ou numa escola, pois os símbolos estão inscritos no homem e cabe a ele revelá-la por meio da sua prática. Os gestos respondem a uma ciência da energia que molda o espírito. O silêncio, o não estar sempre a explicar, convida o praticante a procurar por si e em si mesmo. A não compreensão apela à experiência, único meio de Conhecimento.
Hoje, a educação consiste em explicar. Ela intelectualiza-se e o aluno “recebe pela cabeça” e não pela totalidade do seu corpo. Na arte do movimento, o não verbal é muito importante, embora também haja espaço para a palavra.
O sentido profundo do ensino, direi mesmo, a sua essência é nada! Pois trata-se de entrar no nada e libertar o espírito para mergulhar no Vazio que vai abrir as portas para uma verdadeira sabedoria interior. É uma pedagogia que nos leva a mergulhar na experiência, de modo a que esta seja assimilada pelo corpo. Para observar um movimento é necessário abrir o corpo. Quanto mais o aluno conseguir abrir as suas “portas” mais o professor pode dar, ensinar.
Questionado sobre a técnica, um professor deverá tentar explicar o papel que esta representa na arte do movimento, pois, aqui, não se trata de desempenho ou “performance”. De que é que serve falar da técnica, da Beleza do movimento, se não for para tentar, através dos mesmos, levar o homem ao melhor de si mesmo? Para isso, é preciso voltar ao essencial, ou seja, à relação que une os seres.
Se a prática das técnicas não for feita mecanicamente, origina aprofundamentos progressivos, em forma de pensamento “espiralado”, onde algumas repetições inevitáveis são extremamente ricas devida à troca e ao diálogo entre o espírito e a técnica. A prática deveria permitir-nos encontrar uma sabedoria instintiva do corpo, uma pacificação e uma não violência do pensamento. Estes princípios da não violência nasceram no espírito de alguém que, um dia ao observar os ramos de um pinheiro, constatou que estes se quebravam sob o peso da neve, enquanto simples bambus, mais fracos, mais flexíveis, saíam vitoriosos desta prova. Está flexibilidade e esta não resistência são as bases da arte do movimento, principalmente das artes do Budo.
Frequentemente, somos “quebrados” pelas circunstâncias, pois resistimos à lei da vida. Deixamos de estar adaptados. Já não possuímos a calma, a flexibilidade física nem a agilidade mental desordenada que nos permitam responder adequadamente às circunstâncias. A atividade mental desordenada e a imaginação demasiado fértil separam-nos do mundo exterior. Perdemos o rasto da sabedoria instintiva. Numa prática levada a cabo com vigilância, observa-se aquilo que vai provocar ou redescobrir os reflexos corporais adormecidos de uma sabedoria instintiva religada à natureza profunda de todas as coisas e do seu próprio ser.
“Nunca nada está acabado, nunca nada é adquirido.”
Na prática, não nos devemos deixar levar pela rotina. O movimento não se insere no automatismo, ele é sempre novo. Se achamos que adquirimos algo, regredimos. Isso é verdadeiro para o movimento, o amor, para a vida em geral. O aluno deve estar sempre disponível e colocar-se em questão, caso contrário, instala-se a rotina e estaciona. A via é uma corrente de água viva. Deixemo-nos levar por esta corrente, sem procurar abrigo nas margens do nosso egoísmo, sem procurar agarramo-nos às raízes emergentes dos nossos desejos. Mergulhemos nesta água sempre pura e renovada, permitindo que a sua corrente nos conduza em direção a novos mundos. Se permanecermos nas margens, imobilizamo-nos.
Ensinar não é impor uma imagem de si mesmo, mas sim criar múltiplas situações de experimentações e de questionamento que vão dar um sentido à prática: o que é que permite o movimento? O que é que o anima, o justifica? O que é um movimento coerente, verdadeiro? Aonde é que ele nos conduz? O movimento é veículo da beleza, espiritualidade, energia (ki), amor ou da própria vida? O ensino propõe chaves, permite construir pontes, abrir portas e criar possibilidades, participando, assim, na Transmissão.
Chegará um dia em que o professor não estará mais presente fisicamente. É necessário que deixe aos seus alunos sementes essenciais, tais como, mensagem de harmonia, paz e amor. Por outro lado, o aluno deverá passar a “tocha” às novas gerações de modo a não deixar extinguir a mensagem universal da arte do movimento. Esta mensagem veicula valores universalmente reconhecidos: respeito pelo outro; ação justa; resolução de conflitos por meio do diálogo; esforço de compreensão do outro; trabalho sobre si mesmo; eliminando progressivamente a afirmação egóica.
A arte do movimento é uma via a seguir com o intuito de metamorfosear as intenções voluntárias em trabalho de construção ou de reconstrução do corpo e da alma. O movimento é um processo de procura, de exploração da consciência através do corpo e graças ao seu suporte. Criar movimentos centrados, bem posicionados com a única intervenção dos princípios motores elementares, como por exemplo, deslocar-se no espaço, elevar os braços, rodar a anca, levantar o corpo e baixá-lo leva o praticante a encarar a sua existência numa perspectiva harmoniosa.
À semelhança da música que nos entra pelo ouvido (mas não só!) propagando-se até ao mais profundo do nosso ser, fazendo, aí, vibrar a corda sensível, a arte do movimento, com os anos de prática, enriquece-nos em profundidade, tornando-nos sensíveis à escuta da nossa alma. E o local de prática (Dojo) é o espaço onde se criam as condições para que todos possam progredir.
Há muitos anos, escrevia: “o principal é continuar”. No início da prática, é a alegria da descoberta, mais tarde, esta pode tornar-se fonte de dificuldade e de interrogação que são desafios a ultrapassar, tais como: a ferida do ego; o professor é uma interpelação permanente através do movimento; a extrema simplicidade e a grande complexidade do movimento e o caráter não repetitivo do ensino, mesmo repetindo, frequentemente, os mesmos movimentos.
Em relação ao continuar, claro que por vezes é necessário um distanciamento. “Continuar” não é praticar de uma maneira rígida. Por vezes, é necessário praticar com uma intensidade particular. A continuidade não é monotonia, mas sim renovação da prática por meio do seu aprofundamento. O praticante pode tocar uma pequena parcela do movimento verdadeiro que irá frutificar através de uma constante procura do gesto verdadeiro e escutando a sua voz interior. A arte do movimento é uma via de harmonia, de fusão e de encontros sublime entre corpo e alma.